13/03/2011

Como Ulisses, regresso a Ítaca

Peregrinando dia a dia à sombra do Convento de Mafra onde resido há mais de quarenta anos, quantas e quantas vezes regresso em recordação e desejo ao Casteleiro (a minha Ítaca). Aí, nesse vale formado pelo sopé das serras d’Opa, Vila, Mosteiro e Presa, nasci e vivi a minha infância. Aí cresci menino no Largo da Fonte até fazer a quarta classe, depois de molestado por algumas reguadas e golpes de cana da Índia, instrumentos da pedagogia autoritária do professor Neves ( de positiva e saudosa memória).
Sol ainda escondido, com vento, frio ou neve, lá vinham, diariamente, da Presa e do Fojo, os dois companheiros em busca do futuro: o Quim Zé Corista e o Ismael. E quando fiz o exame de quarta, levado ao Sabugal pela arrastadeira do Sr. Quim Paiva, nesse dia gravou-se o meu destino. Numa classe de quinze alunos, o Ismael franzino fizera o exame; regressávamos ao Casteleiro e o condutor (Quim Paiva) virou-se para o meu pai e disse:
“ Ó Jaquim, manda o garoto estudar!
- Não tenho posses!
- Mete-o no Seminário.
E deste breve diálogo resultou o meu futuro. Passado um ano, entrei no Seminário de Santarém, onde já estudavam os meus primos António e Alberto. Três anos em Santarém, três em Almada, mais seis nos Olivais e em 15 de Agosto de 1964, fui ordenado sacerdote pelo cardeal Cerejeira.
Retornando sempre ao Casteleiro nos três momentos de férias, Natal, Páscoa e Verão, aí fui formando a minha personalidade na convivência directa com os meus familiares, outros estudantes e demais conterrâneos. Seminarista esforçado, filho colaborador, jovem ambicioso e atleta, cidadão preocupado com os dramas da vida, sonhando sempre com a libertação da pobreza, da ignorância e da opressão.
Relembro as minhas vivências mais marcantes: as meditações e muitas leituras nas escadas do coro da Igreja; o meu longo circuito, quase diário, desde a aldeia, pelas barreiras da Bica até ao Prado, descendo, depois do almoço frugal, pelo Fojo até à Carrola para fazer a rega, e completando o longo trajecto com uma enérgica futebolada no Campo da Padaria. E depois nas noites cálidas de Agosto, passeando pela estrada fora até à ponte, em diálogo cultural com o Toninho Rosa a quem devo a iniciação na leitura da Mensagem de Fernando Pessoa, ou então conversando sobre o quotidiano com grupos ocasionais reunidos no cantinho do Quim Paiva. Toninho Rosa, Neca, Alberto, Norberto Azevedo, Ismael, Quim Paiva e Manuel Guerra e outros…
Volto ao Casteleiro duas, tês vezes por ano. Lá encontro ainda os primos Antónia, Alberto, Maria de Lurdes, Joaquim Diogo.
Felicito os conterrâneos que escrevem textos interessantíssimos no blogue “ Viver Casteleiro”: o Zé Carlos Mendes, a Dulcinha, o Quim Gouveia, o Daniel Machado, e outros que já não conheço.
Encorajo a Junta de Freguesia a prosseguir no trabalho notável que vem fazendo de responder, com serviços oportunos, às necessidades dos cidadãos: o pagamento da água, da luz e do telefone, o recebimento das reformas, a animação da aldeia com iniciativas cheias de criatividade. Festas populares tradicionais, festa da Caça, passeios equestres (e por que não terrestres … com itinerários tão belos!).
Saúdo as direcções do Lar de S. Salvador e do Centro de Animação Cultural pela eficácia do seu trabalho e pela sua louvável luta contra o despovoamento.
Um abraço muito sentido para os primos Tó Zé Marques (Sr. Presidente) e Carlitos (Sr. Secretário), pelo trabalho solidário realizado na Junta, não esquecendo a competência e sabedoria do Vitorino Fortuna.
Continuarei a regressar em busca da minha matriz geográfica, familiar, humana, o meu passado… ao Casteleiro!


Igreja Nova - Mafra, em 12 de Março de 2011
Ismael Nabais Gonçalves

2 comentários :

  1. O "Viver Casteleiro" saúda com sincero entusiasmo este texto do casteleirense e amigo de sempre Ismael. Esperamos que o primeiro de muitos!
    Como Ulisses, regressado a Ítaca depois da guerra de Tróia, o Ismael sabe que encontra sempre no Casteleiro um porto de abrigo: o seu porto de abrigo!

    TóZé Marques

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  2. Caríssimo Ismael,
    As minhas saudações e o registo do apreço pelo tom, pela singeleza, pela sinceridade com que fala / falamos do Casteleiro, nossa comum origem e vaidade.
    Viv'ò Casteleiro, viva nós, catano!
    Aos mais jovens: esta é a nossa linguagem entre amigos... não se assustem. Nós damos gargalhadas com estas coisas.
    Agora uma história de partir o coco.
    Ó Ismael, e aquele dia em que você foi, como padre, buscar o folar a Gralhais e nós o acompanhámos e você, em vez de trazer os queijos e os ovos e as galinhas, dava as boas-festas às pessoas e dizia:
    - Comam vocês isso, que vocês precisam mais..
    E a cara de quem nos recebeu na Casa Paroquial e nóo de cestos vazios????
    Lembra-se???
    Grandes tempos, esses!

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